Como projetar estudos de fNIRS em ambientes reais A ciência que precisa sair do laboratório para existir
Como projetar estudos de fNIRS em ambientes reais
A ciência que precisa sair do laboratório para existir
(Consciência em Primeira Pessoa • Neurociência Decolonial • Brain Bee • O Sentir e Saber Taá)
O Sentir e Saber Taá
Eu me imagino sentado numa sala de aula, não num laboratório.
Há conversa, cadeira arrastando, luz entrando pela janela, o ar condicionado liga e desliga, alguém mexe no celular, outro cruza a perna e balança o pé.
Agora eu coloco uma touca de fNIRS nessa cena.
De repente, eu percebo que não é só a cabeça que muda:
meu pescoço tensiona,
a postura fica diferente,
eu fico mais consciente do meu corpo,
minha respiração tenta “se comportar”.
Sinto que aquele ambiente vivo, complexo, não é o lugar “limpo” que o fNIRS costuma pedir.
Mas também sinto que é exatamente aí que a ciência deveria estar:
no mundo real, com ruído, calor, distrações, conflitos — onde o cérebro realmente vive.
Nesse instante eu percebo:
se o meu modelo de ciência só funciona numa sala branca isolada do mundo, talvez ele não esteja estudando o cérebro humano — esteja estudando um fantasma abstrato.
Percebo também como até minhas perguntas foram colonizadas:
o jeito que aprendi a fazer ciência veio de uma tradição que reduz o corpo a máquina, a mente a cálculo e a espiritualidade a superstição.
É por isso que tantos projetos de fNIRS ainda se prendem ao laboratório estéril: é o espaço “controlado”, mas também é o espaço colonizado, onde o mundo real é tratado como ruído.
Quando eu sinto meu corpo em uma sala cheia, com gente, barulho e vida, Taá me mostra outra coisa: Neurociência, Política e Espírito nunca estiveram separados.
O que coloniza não é só a história; é a palavra “ruído” usada para tudo o que não cabe no modelo.
Cada vez que eu levo o fNIRS para o ambiente real — escola, posto de saúde, rua — e leio os dados com coragem, eu abro uma brecha na Zona 3 e devolvo ao corpo o direito de ser território vivo, não apenas variável de controle.
É desse lugar que eu leio os trabalhos metodológicos recentes sobre fNIRS em ambientes ecológicos, que discutem:
como lidar com movimento,
como usar short-channels,
como ajustar o GLM à realidade,
como pensar HRF em gente que vive, não em voluntário imóvel de laboratório.
O que a ciência quer saber aqui
A pergunta central desses textos metodológicos é simples e radical:
Como projetar estudos de fNIRS em ambientes reais (salas de aula, reabilitação, esporte, trabalho) de modo que os dados sejam confiáveis — sem matar a vida que queremos estudar?
Isso inclui questões como:
Como lidar com movimento de cabeça, fala, gestos?
Como separar sinal cortical de ruído extracortical num ambiente com luz, calor e barulho?
Como modelar a HRF quando as tarefas não são blocos rígidos, mas interações vivas?
Como montar protocolos que respeitem o corpo e a cultura local, sobretudo em contextos LATAM?
Métodos e análise – GLM, short-channels, HRF, ICA/PCA
Os artigos metodológicos mais sérios convergem em alguns pilares:
1. GLM adaptado ao mundo real
O GLM (General Linear Model) continua sendo a base, mas:
precisa considerar tarefas mais longas e menos “quadradas”,
incluir regressoras para eventos naturais (fala, movimento, ruído),
aceitar que a linha de base não é perfeitamente estável.
2. Short-channels para separar pele e córtex
O uso de short-channels deixa de ser “opção” e passa a ser necessidade:
canais curtos captam principalmente mudanças de perfusão superficial,
permitem regredir esse componente e limpar o sinal cortical,
reduzem a influência de variações sistêmicas (respiração, pressão arterial, temperatura).
3. HRF flexível (não canônica)
A HRF em ambientes reais:
não segue sempre a forma clássica,
pode ser mais lenta, mais dispersa, mais sustentada,
muda com postura, emoção, fadiga.
Ferramentas como HRfunc (modelagem flexível da HRF) aparecem como caminho natural para:
ajustar a curva à pessoa,
reduzir falsos positivos/negativos,
honrar a variabilidade do corpo.
4. ICA/PCA para ruído natural
A variabilidade em ambientes reais é complexa; por isso:
ICA ajuda a separar componentes de movimento, respiração, batimentos, luz,
PCA identifica padrões globais de variação entre sujeitos e sessões,
componentes que claramente não têm perfil hemodinâmico típico podem ser removidos ou modelados separadamente.
5. Desenho experimental ecológico
Os autores propõem:
tarefas alinhadas ao contexto real (aula, sessão de fisioterapia, prática musical),
blocos mais longos,
medidas comportamentais ricas (performance, fala, interação),
registro simultâneo com vídeo para anotar eventos naturais.
O que essa linha de pesquisa está mostrando
As principais lições:
É possível obter dados fNIRS confiáveis em ambientes reais, desde que:
short-channels sejam usados,
o GLM seja bem especificado,
a HRF seja tratada como variável, não dogma,
o movimento seja registrado e modelado.
Estudos em real-world settings revelam padrões que não aparecem no laboratório:
flutuações de atenção relacionadas à interação social,
efeitos da fadiga ao longo do dia,
moduladores culturais (ritmos de fala, gestos, proximidade).
A “bagunça” do mundo real obriga o pesquisador a abandonar a ilusão de neutralidade total e aceitar a neurociência como ciência de corpos vivos, em contextos vivos.
Leitura com nossos conceitos
Mente Damasiana
A Mente Damasiana não nasce numa sala isolada; nasce:
da interocepção em movimento,
da propriocepção em interação,
do corpo que aprende, trabalha, sofre e celebra.
fNIRS em ambientes reais é uma forma de acompanhar essa mente no habitat natural dela.
Quorum Sensing Humano (QSH)
Em sala de aula, clínica, esporte, assembleia, o QSH aparece:
na forma como ritmos hemodinâmicos de diferentes pessoas se aproximam ou se afastam,
na maneira como fadiga, motivação e pertencimento modulam a energia cerebral.
Levar fNIRS para esses contextos permite enxergar esse quorum vivo.
Eus Tensionais
Cada ambiente convoca Eus Tensionais diferentes:
o eu atento mas relaxado do aprendizado,
o eu hipercontratado do ambiente hostil,
o eu criativo da Zona 2,
o eu fragmentado da Zona 3.
Em ambientes reais, o fNIRS consegue mostrar como esses eus se organizam ao longo do tempo, em vez de snapshots artificiais.
Zona 1 / 2 / 3
Laboratório rígido tende a capturar muito Zona 1 e pouco Zona 2.
Ambientes reais permitem ver:
momentos de fruição (Zona 2) emergindo de tarefas significativas,
momentos de sequestro (Zona 3) quando ideologias, algoritmos, pressão externa dominam.
DANA
A inteligência do DNA se expressa:
adaptando a hemodinâmica às demandas reais,
criando soluções fisiológicas para sobreviver ao calor, ao ruído, ao estresse.
Estudos em ambientes reais mostram o DANA em ação, não congelado em condições artificiais.
Yãy hã mĩy (origem Maxakali)
O conceito de Yãy hã mĩy, na origem Maxakali, fala de imitar o animal antes de caçá-lo.
No nosso uso estendido, trata do processo de imitar, aprender, tornar-se com o ambiente.
Projetar estudos de fNIRS em contextos reais é isso:
não impor um cenário “clean” europeu,
mas imitar o território onde o cérebro realmente caça sentido — escola, rua, roça, hospital público.
Onde a ciência ajusta nossas ideias
A grande correção é:
Não basta dizer “vamos humanizar a ciência” se o método continua preso à jaula do laboratório.
Esses métodos ecológicos mostram que:
a vida nunca cabe toda no controle experimental,
o “ruído” é muitas vezes o próprio fenômeno de interesse,
precisamos de ferramentas analíticas mais sofisticadas para honrar essa complexidade, não para apagá-la.
Implicações normativas para educação, saúde e política LATAM
Educação:
Projetos com fNIRS em escolas públicas podem revelar como fome, violência, transporte e cansaço modulam atenção — e isso pode embasar políticas reais, não só teorias.Saúde:
Programas de reabilitação neurológica com fNIRS em contexto clínico real podem ajustar protocolos a ritmos reais de fadiga, dor, medo e esperança.Política urbana:
Estudos fNIRS em ambientes urbanos (praças, ônibus, filas) podem mostrar como o desenho da cidade impacta a energia cognitiva dos cidadãos.Constituições LATAM:
Uma ciência que sai do laboratório e entra no território reforça a ideia de Corpo Território e pode inspirar artigos constitucionais que reconheçam o direito a ambientes que não sequestram a mente.
Palavras-chave para busca científica
“fNIRS real-world environments ecological validity GLM short-channels HRF ICA PCA classroom rehabilitation ambulatory neuroimaging”