Esquizofrenia, Eu Tensional e ERPs -  Aberturas Involuntárias para Espíritos Sem Apus

Dentro dos nossos conceitos, o Eu Tensional é uma entidade bioafetiva que regula a percepção e a consciência, ancorado em um Apus local coerente — composto por família, cultura, alimentação, ritmos e espiritualidades. Quando esse ambiente simbólico e sensorial é inconsistente ou traumático, o Eu Tensional perde sua estabilidade. Em termos neurofuncionais, isso permite que as memórias semânticas (ideias, símbolos, narrativas culturais) atravessem barreiras protetoras e se vinculem diretamente à interocepção e propriocepção, resultando em estados mentais e perceptivos desorganizados.

Essa dinâmica é coerente com evidências da neurociência de ponta, especialmente no campo dos potenciais evocados (ERPs). Em indivíduos neurotípicos, o componente P300, em especial o P3b, atua como marcador de atenção voluntária e atualização contextual. Ele regula a troca consciente e funcional entre diferentes óptimos locais — ou seja, estados mentais específicos que sustentam ações e pertencimento.

Polich, J. (2007). Updating P300: An integrative theory of P3a and P3b. *Clinical Neurophysiology*, 118(10), 2128-2148. [https://doi.org/10.1016/j.clinph.2007.04.019](https://doi.org/10.1016/j.clinph.2007.04.019)

Na esquizofrenia, no entanto, esse controle voluntário se desestrutura. Estudos mostram que componentes como o MMN (Mismatch Negativity), que refletem mudanças automáticas na percepção auditiva pré-atencional, aparecem de forma aumentada, reduzida ou desorganizada em pacientes. O MMN representa o reconhecimento automático de estímulos que desviam de um padrão sensorial. Em nossos termos, isso seria equivalente à troca não solicitada do Eu Tensional, em que qualquer imagem cerebral — chamada de Utupe na cosmologia Yanomami — pode invadir o campo emocional sem a mediação de um Apus coerente.

Näätänen, R., et al. (2011). Mismatch negativity (MMN) as an index of cognitive dysfunction. *Brain Research Reviews*, 66(1-2), 319-326. [https://doi.org/10.1016/j.brainresrev.2010.07.001](https://doi.org/10.1016/j.brainresrev.2010.07.001)

Erickson, M. A., Ruffle, A., & Gold, J. M. (2016). A meta-analysis of mismatch negativity in schizophrenia: from clinical risk to disease specificity and progression. *Biological Psychiatry*, 79(12), 980-987. [https://doi.org/10.1016/j.biopsych.2015.08.025](https://doi.org/10.1016/j.biopsych.2015.08.025)

Na tradição Yanomami, o Utupe é a imagem cerebral que pode, quando conectada ao Pei (emoção), formar a alma — ou seja, um espírito encarnado. Quando essa imagem se associa às emoções sem referencial corporal ou social coerente, ela pode tomar o lugar do Eu e gerar delírios ou vozes, sem passagem por filtros metacognitivos.

Além disso, outras alterações nos ERPs, como os componentes N100, N170 e falhas nos mecanismos de corollary discharge (descarga eferente), mostram que há um comprometimento profundo no sistema de filtragem de realidade. Vozes, ideias e símbolos — que deveriam ser reconhecidos como não-eus — passam a ser incorporados emocionalmente como parte do Eu, gerando alucinações e perda da referência coletiva.

Ford, J. M., & Mathalon, D. H. (2005). Corollary discharge dysfunction in schizophrenia: can it explain auditory hallucinations? *International Journal of Psychophysiology*, 58(2-3), 179-189. [https://doi.org/10.1016/j.ijpsycho.2005.01.014](https://doi.org/10.1016/j.ijpsycho.2005.01.014)

Essa abertura incontrolável das fronteiras cognitivas e afetivas pode ser descrita, em nossas palavras, como um colapso do Eu Tensional e da sua ancoragem no Quorum Sensing Humano (QSH). O indivíduo já não troca de estados mentais por escolha — como no caso da fruição consciente — mas é tomado por imagens que ganham vida afetiva (Pei) sem ritual, sem território, sem pertencimento.